Linguagem Para Ler e Compreender As implicações da dislexia na leitura e no desenvolvimento do leitor (e como diferenciar o problema de outros déficits normais ao longo do aprendizado) Por Renata Mousinho 1 - A frente instrumental da atividade de leitura: um leitor confrontado com um texto vai criar uma série de operações, de processos cognitivos, que são estratégias para identificar palavras escritas. 2 - A frente da compreensão da atividade de leitura: as operações, os métodos que o leitor lança mão diante de um texto, têm uma finalidade, um objetivo imediato - entender o texto. 3 - A frente cultural da atividade de leitura: o leitor deve ter um projeto que ultrapasse seu objetivo imediato de compreensão, um projeto como leitor, que inclui o conhecimento explícito das várias funções da escrita, bem como das diversas práticas culturais de leitura.
Quanto mais opaca uma língua (menos correspondências regulares entre fonema e grafema, como no inglês), maior a prevalência da dislexia
Decodificar: o primeiro passo Certamente uma leitura baseada somente em seus aspectos mecânicos será insuficiente: decodificador e leitor não são sinônimos. O objetivo da leitura, que é compreender, interpretar, estabelecer relações e realizar inferências, fica prejudicado. Entretanto, as funções de identificar letras e reconhecer palavras são específicas da leitura e, portanto, fundamentais para esta. Existem vários modelos explicativos sobre o desenvolvimento da leitura e da escrita. Para compreendermos melhor por onde passa o entrave da dislexia, vamos observar o modelo genético de Uta Frith3. A autora descreveu três estratégias, pelas quais todas as crianças passariam durante o processo de aprendizagem da leitura e da escrita.
Na estratégia alfabética, a criança já descobre a base do sistema de escrita alfabético, ou seja, a relação entre sons e as letras que podem representá-los. Para isso, já desenvolveu a habilidade de segmentar a fala em unidades menores e de manipular tais elementos. Em outras palavras, jogos de linguagem em nível oral, como identificar palavras que começam iguais, que rimam, ou ainda como ficaria uma palavra se retirássemos uma sílaba, favorecem o processo, já que possibilitam generalizar a aprendizagem, em vez de se basear apenas na memorização de palavras. Nesta etapa, a criança precisa se ouvir para interpretar, e a escrita é baseada na oralidade, ou seja, escreve-se exatamente como se fala. Para exemplificar, pode-se escrever muito como MUINTO, e menino como MININU. Já o leitor/escritor competente deverá lançar mão da Estratégia Alfabética. Nesta etapa, já devemos ter experiência suficiente com a leitura para montarmos um dicionário visual das palavras (léxico). Ao tentar ler, reconhecemos a palavra e acessamos diretamente este léxico, isto significa que estamos fazendo um acesso visual direto da palavra. Este tipo de processamento acelera a leitura e faz que acessemos o significado mais rapidamente. É também por meio desse dicionário mental que poderemos escrever corretamente as palavras irregulares, ou seja, aquelas em que não há correlação entre som e letra. Por exemplo, palavras como táxi, exercício, cenoura, poderiam ser escritas como TÁQUISSI, EZER- SÍCIO e SENOURA, se dependessem apenas de um processo de codificação. Ou ainda, sabemos o significado diferenciado das palavras CINTO e SINTO pela diferença da grafia, que para ser identificada depende de estar no léxico.
Podemos sintetizar as últimas definições de dislexia descrevendo-a como um dos vários tipos de transtornos do aprendizado. Trata-se de uma dificuldade específica de linguagem, de origem constitucional, caracterizada por dificuldades na decodificação de palavras isoladas, normalmente refletindo insuficiência do processamento fonológico. Estas dificuldades na decodificação de palavras isoladas são muitas vezes inesperadas em relação à idade e outras habilidades cognitivas e acadêmicas. Ela é manifestada por dificuldades linguísticas variadas, incluindo, normalmente, para além das alterações de leitura, um problema com a aquisição da proficiência da escrita e da soletração 4. Dificuldades e compensações Vale ressaltar também que tais dificuldades podem surpreender a todos, até mesmo ao próprio sujeito, já que outras habilidades suas podem se desenvolver muito bem (às vezes como um mecanismo de compensação). Entre elas há que se destacar a memorização por imagens, a criatividade, a imaginação, a facilidade de raciocínio lógico e o pensamento científico aguçado. A heterogeneidade dentro deste grupo, que atinge não mais do que 10% da população, ainda é grande. Além dos vários tipos de dislexia, o grau de severidade e as estratégias compensatórias criadas para tentar superar o problema se diferenciam bastante uns dos outros1. O sistema de escrita em jogo também é um ponto relevante na questão 4. Quanto mais opaca uma língua (menos correspondências regulares entre fonema e grafema, como o inglês), maior a prevalência da dislexia ou a extensão dos prejuízos, se comparado a línguas transparentes (como o português, por exemplo). A dislexia pode ou não vir acompanhada de outras dificuldades, como atenção e coordenação, por exemplo, mas estas não são as questões centrais4. Pesquisadores expoentes na área resumiram algumas das descobertas mais importantes da pesquisa da dislexia nas últimas décadas. As evidências sugerem que, na maioria dos casos, déficits nas habilidades fonológicas associadas a déficits na codificação fonológica são as prováveis causas do distúrbio, e não alterações de ordem visual, semântica ou déficits sintáticos, apesar da possibilidade das dificuldades de leitura em algumas crianças estarem associadas a déficits gerais de linguagem. A hipótese de distúrbios nas habilidades de aprendizagem em geral (por exemplo, atenção, associação, aprendizagem) e déficits sensoriais de baixo nível têm fraca validade como fatores causais na dislexia4.
Efeito cascata é uma metáfora comumente utilizada para mostrar como uma situação, a princípio, bastante pontual, pode reverberar em outras tantas situações. Explica perfeitamente a dislexia. Fugindo de um pensamento linear, propomos a pluralidade do efeito cascata para mostrar reflexos de todos os lados. Em relação à linguagem, o efeito cascata diz respeito às consequências que o déficit fonológico, característico da dislexia, promove secundariamente em outros níveis da linguagem, como o sintático e o semântico. Em termos práticos, podemos dizer, por exemplo, que o prejuízo da decodificação acaba prejudicando a compreensão do texto lido4. Também podemos dizer que este mesmo déficit exige tanto do sujeito com dislexia numa produção de textos, que além das alterações no nível da palavra, a construção de textos pode acabar sendo prejudicada.
Mas o efeito cascata ainda não para por aí. Submetidos a uma situação usual de menos-valia e a uma sobrecarga de trabalho, a criança ou jovem com dislexia desenvolve uma baixa autoestima5. Uma vez fragilizados, crescem as chances de serem vítimas de bullying, lembrando que a escola, foco principal das intimidações continuadas, é justamente o local onde seu fracasso é evidenciado a todo o momento.
Os momentos de lazer com os filhos depois do trabalhosão frequentemente substituídos por embates na hora do dever de casa
Paralelamente, a família fica estressada, os fins de semana ficam mais curtos, pois é necessário mais tempo para dedicar aos estudos, os momentos de lazer com os filhos depois de um dia de trabalho são frequentemente substituídos por embates constantes na hora do dever de casa. Situação que se reverte negativamente na criança, criando um círculo vicioso difícil de sair5. Discutir, agir, intervir Exatamente por todas as possibilidades de efeitos cascata ilustradas, é indispensável agir, discutir e intervir o mais precocemente possível. Por mais persistentes que se mostrem as dificuldades, o que no início parece não ter saída vai se diluindo de modo a não representar mais prejuízo ao desenvolvimento pessoal. A dislexia pode ser uma pedra no sapato, mas está longe de ser uma situação insolúvel.
O fonoaudiólogo deve fazer sempre parte da equipe terapêutica, que poderá contar compsicopedagogos e psicólogos
Comumente podemos encontrar em publicações que falam de critérios diagnósticos para dislexia que esta só pode ser confirmada após o segundo ano de escolarização formal. Essa precaução é para não desconsiderar as variações existentes durante o processo de aprendizagem do sistema alfabético. mas cuidado! Isso não quer dizer que devemos esperar passivamente esses dois anos!
Referências 1. MOUSINHO, R. "Problemas na Leitura e na Escrita e Dislexia". Revista SINPRO-Rio Desafio de Educar, n°5, 9-17, 2010. 2. CHAUVEAU, G. Comment l'Enfant Devient Lecteur. Pour une psychologie cognitive et culturelle de la lecture. Paris: RETZ, 1997. 3. FRITH, U. "Beneath the surface of developmental dyslexia". In PATERSON, K., MARSHALL, J., COLTHEART, M. (Org.). Surface dyslexia: neuropsychological and cognitive studies of phonological reading. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1985. 4. MENDONÇA, L; MOUSINHO, R; CAPPELINI, S. (org). Dislexia: novos temas, novas perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. Wak, 2011. 5. MOUSINHO, R. "Estresse em familiares de crianças com transtornos do aprendizado". Revista Tecer: Centro Universitário Isabela Hendrix, v.4 nº 6, 2011.
Renata Mousinho é fonoaudióloga e docente. Coordena o Projeto ELO: escrita, leitura e oralidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui doutorado e mestrado em Linguística e pós-doutorado em Psicologia pela mesma instituição.
COPIADO DO SITE: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/69/artigo235516-4.asp |
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
As implicações da dislexia na leitura e no desenvolvimento do leitor.
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