Neurociências e Educação: uma parceria imprescindível.
Profa. Lucília Panisset[1]
As instituições educacionais têm experimentado uma crescente necessidade de implementar mudanças, pois a grande competitividade do mercado exige o desenvolvimento de competências, utilização das mais atualizadas ferramentas de gestão e aplicação de novos conceitos e estratégias de qualidade. Alinhando os fundamentos teóricos à realidade das organizações educacionais brasileiras, conhecer que situações podem promover melhor aprendizagem humana é um plus, que pode ajudar os docentes de escolas de Educação Básica e Superior a conseguirem que seus alunos alcancem melhores índices de desempenho e, assim, manter a longevidade dessas organizações.
Aprender é um processo que pode ser traduzido como “a capacidade e a possibilidade que as pessoas têm para perceber, conhecer, compreender e reter na memória as informações obtidas” (TOPCZEWSKI, 2000). E como aprendizagem é assunto do cérebro, entende-se que um professor completo é aquele que - além de ser vocacionado e bem preparado na sua área de saber - conhece as regras do cérebro e as usa a favor de seus alunos. No entanto, a realidade ainda é outra: a maioria dos cursos voltados para o magistério oferece apenas as tradicionais disciplinas associadas a estudos filosóficos e didática, negligenciando os rápidos avanços neurocientíficos que têm ocorrido a partir dos anos 90, a Década do Cérebro.
As neurociências estudam o sistema nervoso, suas composições e suas diferentes manifestações por meio das nossas atividades intelectuais (FIORI, 2008), e – por sorte dos educadores – não faltam pesquisadores interessados em memória, emoções e aprendizado. Assim, formar-se para a prática pedagógica sem conhecer os processos mentais do ser humano, nem saber aplicar conhecimentos neurocientíficos às atividades de aula, é conviver com uma lacuna que impede o docente de conhecer as razões neuropsicológicas para sucessos, problemas para aprendizagem. E, sem esse conhecimento, como orientar adequadamente cada aprendiz?
Entre as explicações oferecidas pelas neurociências, um dos assuntos que eu deveria de ter aprendido antes de me tornar professora é a diferenciação entre os termos dificuldades, transtornos e distúrbios de aprendizagem, comumente usados como sinônimos, mas que têm suas peculiaridades. Concordo com Fuentes (2008): conhecer tais particularidades merece especial atenção, pois pode, sem dúvida, favorecer a aprendizagem e minimizar os seus problemas.
Para que aconteçam aprendizagens, é necessário que haja integridade das funções psicodinâmicas (aspectos psicoemocionais), do sistema nervoso periférico (canais para a aprendizagem simbólica) e do sistema nervoso central (elaboração, processamento, e armazenamento da informação). Se uma (ou mais) dessas funções estiver comprometida, crianças, adolescentes ou adultos apresentam desempenho acadêmico abaixo do esperado e são comumente rotulados como pessoas com ‘problemas de aprendizagem’. Mas para entender esses problemas, primeiramente é necessário reconhecer as diferenças básicas entre distúrbio, transtorno edificuldade, que acontecem em relação à região cerebral afetada e à função comprometida, assim como aos problemas daí resultantes.
A palavra distúrbio tem a ver com "alteração na ordem natural" (CIASCA, 2003). Assim, o distúrbio é uma disfunção, uma perturbação no processo natural da aquisição de aprendizagem. Envolve a seleção do estímulo, o processamento e o armazenamento da informação. Resultado: quando chega o momento de responder aos estímulos, acontecem déficits nas habilidades de linguagem: fala, leitura e escrita. O distúrbio, que resulta de uma disfunção na região parietal (lateral) do cérebro, acontece em nível individual e orgânico, quer dizer, com características pessoais e dentro do indivíduo.
O transtorno, por sua vez, decorre de uma disfunção na região frontal do cérebro, que provoca falha na entrada do estímulo e na integração de informações. Uma causa orgânica, que gera impulsividade, hiperatividade e outras dificuldades, esse quadro transtorna a vida da pessoa, em razão do evidente comprometimento comportamental.
Por serem de origem interna, distúrbios e transtornos independem do desejo que o portador possa ter de desempenhar atividades da forma como a família, a escola ou a sociedade esperam dele. Por isso, para atingir os objetivos de desempenho social e acadêmico satisfatório, o portador de um distúrbio ou de um transtorno de aprendizagem precisa de ajuda especializada(CAMARGO; COSENZA; FUENTES; MALLOY-DINIZ, 2008).
Já a principal característica da dificuldade é ser “pedagógica”, logo, externa. Nas dificuldades escolares estão inseridos os atrasos no desempenho acadêmico por falta de interesse, por perturbação emocional passageira, por métodos inadequados ou até devido ao padrão de exigência da escola. Hoje, sabe-se que dificuldades escolares podem ser remediadas com qualificação de profissionais da educação, parceria da família com os educadores e escolas com estrutura física e planejamentos adequados.
Enquanto os distúrbios e os transtornos para aprendizagem requerem uma equipe multidisciplinar, que inclui profissionais de saúde (ROTTA, 2006), as dificuldades escolares pedem o acompanhamento psicopedagógico e a capacitação de pais e professores, para que as interferências externas, que prejudicam a aprendizagem, sejam minimizadas.
As neurociências abriram fronteiras para um novo contexto educacional, que exige uma mudança de paradigmas no sistema educacional, de modo que a interface entre saúde e educação possa gerar uma neuropedagogia. Simplesmente saber qual é o papel das sensações, da percepção, da atenção, da memória e da utilização de múltiplas inteligências e estilos pessoais em atividades pedagógicas, assim como conhecer a caracterização de dificuldades escolares, transtornos e distúrbios, no entanto, é insuficiente para o Professor Educador ajudar seus alunos a aprenderem as lições. É necessário que também as escolas onde atuam reconheçam que somente uma estrutura curricular que contemple as habilidades neurologicamente apropriadas a cada faixa etária facilitará o desenvolvimento das competências desejadas; que uma grade de horário de aulas construída adequadamente inicia a rotina diária com artes, humanidades e exercícios físicos, enquanto ciências biológicas e exatas devem ser estudadas nos últimos horários e que o ambiente ideal para a aprendizagem acolhe a diversidade, é interativo, transcende a sala de aula, alimenta os cérebros com curiosidades, desafios e escolhas. Só assim os colégios e as universidades não correrão o risco de dar nomes novos e modernos para práticas antigas e cristalizadas.
E vou além: para que tal atualização dê certo, é preciso que as escolas propiciem capacitação em neurociências não só para seus professores, mas também para as famílias de seus alunos e a comunidade, que precisam conhecer para entender as mudanças implantadas e dar suporte às novas configurações da Educação para a vida neste século.
Piaget disse que “o principal objetivo da educação é criar indivíduos capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram”... Dita de outro modo, essa mesma mensagem foi transmitida em diversas palestras do VII Congresso de Gestão Educacional, em março de 2009: “Educação não treina; transforma!”.
As duas mensagens nos fazem lembrar que não é mais suficiente pensarmos no mundo que queremos entregar aos nossos alunos, mas que precisamos decidir que tipo de alunos queremos entregar ao mundo. Para auxiliar escolas, professores e pais de alunos a se adaptarem à nova realidade e tomarem essa decisão, as neurociências se oferecem para serem usadas na Educação. E é aí que, muito longe de ser modismo, uma parceria entre neurociências e Educação passa a ser imprescindível!
Referências bibliográficas:
CAMARGO, C. H. P; COSENZA, R. M; Fuentes, D; MALLOY-DINIZ, L. F. Neuropsicologia - Teoria e Prática. Porto Alegre: Artmed, 2008.
CIASCA, Sylvia Maria (org). Distúrbios de Aprendizagem: Proposta de Avaliação Interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
DAMÁSIO, Antonio R. O Erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro Humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
FIORI, Nicole. As Neurociências Cognitivas. Petrópolis: Vozes, 2008.
FUENTES, Daniel. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008.
ROTTA, N. T.; Ohlweiler L.; Riesgo, R. Dos Santos. Transtornos da Aprendizagem - Abordagem Neurobiológica e Multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006.
TOPCZEWSKI, Abram. Aprendizagem e suas desabilidades. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
[1] Sócia Diretora de A Prática do Conhecimento Consultoria; Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina; Mestre em Engenharia de Produção de Mídia e Tecnologia para o Conhecimento; Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Inglês pela UFMG; Especialista em Psicopedagogia pela PUC Minas; Bacharel Licenciada em Letras, pela Puc Minas. Contato: www.apraconhecimento.com.br - E-mail: lupanisset@uol.com.br
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