sexta-feira, 19 de março de 2010

Mas o que exatamente acontece no cérebro durante o aprendizado?


Ao longo da vida aprendemos diversas tarefas motoras, desde o simples levar a mão à boca ao mais complexo como dirigir. Com tantas tarefas a serem aprendidas, o cérebro precisa contar com uma de suas mais interessantes características: a plasticidade, que é a capacidade do cérebro de se adaptar a mudanças, sem a qual ele estaria fadado às funções com as quais ele nasce, e nada mais. Aprender, afinal, requer modificar o cérebro.


Mas o que exatamente acontece no cérebro durante o aprendizado? Pesquisadores dos Estados Unidos testaram o aprendizado motor em camundongos e constataram que ele leva a uma rápida formação de novas sinapses no cérebro de camundongos adolescentes e até adultos. O estudo foi publicado em novembro de 2009 na Nature.

Tonghui Xu e colegas, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, estudaram camundongos de 1 mês de idade – considerados adolescentes – e outros de mais de 4 meses de idade, já adultos. Os animais eram colocados em gaiolas onde aprendiam a alcançar sementes através de uma fenda. Menos de uma hora depois do aprendizado, já havia um número significativo de novas conexões formadas entre neurônios do córtex motor do lado do cérebro responsável pelos movimentos, mas não do outro lado, que não havia sido usado na tarefa. As novas conexões formadas, chamadas de espinhas dendríticas, conectam neurônios de diversas camadas do cérebro.

Fazendo a mesma tarefa, camundongos jovens ganharam mais conexões novas do que os adultos, sobretudo quando haviam aprendido melhor a tarefa, em comparação aos que falharam mais vezes no teste de alcançar as sementes.

Ao mesmo tempo em que o aprendizado leva à formação de novas sinapses, outras são perdidas: o resultado do aprendizado não é um aumento no número total de sinapses, mas uma mudança no conjunto de sinapses existentes. Em cerca de duas semanas, o número total de sinapses já está de volta aos níveis anteriores ao aprendizado – embora as sinapses agora sejam outras. Sinapses que já eram estáveis, que podem ser a base da memória motora duradoura, aparentemente não são perturbadas pelo aprendizado – o que ótimo: assim você não vai esquecer como andar de bicicleta se começar a fazer aulas de surfe.

A constatação da modificação rápida do cérebro com o aprendizado é interessante para pacientes que sofreram AVCs ou outras lesões: através da formação de novas sinapses, a prática com a fisioterapia pode ajudá-los a se recuperar mais rapidamente e quem sabe recobrar as funções perdidas, voltando a ter uma vida normal.

Xu e sua equipe mostram que o remodelamento estrutural das sinapses acontece quase imediatamente, ao contrário da hipótese anterior de que a formação de sinapses novas levaria dias para acontecer. Aprender, portanto, é mudar o cérebro – e na mesma hora. (SAC, 02/03/2010)

Fonte: Xu T, Yu X, Perlik AJ, Tobin WF, Zweig JA, Tennant K, Jones T, Zuo Y (2009) Rapid formation and selective stabilization of synapses for enduring motor memories, Nature 462, 915-9.

Aprendizado conhecido como “recuperação”, verdadeiro pesadelo para alguns!


Na época do colégio, muitos experimentam a sensação de chegar ao final de uma disciplina e não obter a nota suficiente para passar de ano. Solução? O período de reforço do aprendizado conhecido como “recuperação”, verdadeiro pesadelo para alguns!


Para o desespero dos que esperneiam dizendo que não necessitam de reforço, ou que o reforço não adianta nada, um artigo na revista Neuron de dezembro de 2009 apresenta justamente os benefícios para o cérebro dos alunos que passam por tal período de remediação.

Timothy Keller e Marcel Just, da Universidade Carnegie Mellon em Pittsburgh, EUA, recrutaram crianças em idade escolar com nível de leitura baixo e os separaram em dois grupos: um deles recebeu somente o ensino formal, enquanto o outro passou adicionalmente por aulas de reforço direcionadas para melhorar a capacidade de decodificar fonemas. Comparada às duas semanas usuais de duração da recuperação escolar, a recuperação no estudo foi anormalmente longa: os alunos passaram por 100 horas de estudo remedial, distribuídos em 6 meses, com aulas diárias de 50 minutos, 5 vezes ao semana.

Em crianças com dificuldades de leitura, já havia sido observada uma redução da substância branca semioval do cérebro, que é a porção da substância branca onde se encontram as fibras que conectam os lobos frontal, parietal e temporal, trocando informações necessárias para a leitura. Essa redução pode resultar tanto de uma deficiência de mielinização quanto de uma redução da espessura das fibras ou até do seu número. Com uma menor conectividade entre os lobos cerebrais, a leitura ficaria prejudicada.

Em comparação, Keller e Just observaram que, ao fim dos seis meses do estudo, os alunos submetidos ao programa de recuperação, e somente eles, tiveram um aumento da substância branca semioval. O aumento ocorreu no sentido do envoltório das fibras, o que leva a crer que o efeito da recuperação é um espessamento da bainha de mielina dos axônios da substância branca, que confere isolamento elétrico aos impulsos nervosos que trafegam pelos axônios, tornando a transmissão de sinais mais rápida e fidedigna – o que provavelmente facilita a leitura. De fato, as crianças que fizeram a recuperação, e não as outras, tiveram uma melhora na capacidade de decifrar palavras.

Ou seja: ficar em recuperação pode ser um sofrimento – mas, se serve de consolo, ela é sim capaz de mudar o cérebro! (PfMRI, 10/03/2010)

Fonte: Keller AT, Just MA (2009). Altering Cortical Connectivity: Remediation-Induced Changes in the White Matter of Poor Readers. Neuron. Dec;64(5): 624-631.

Estereótipo acadêmico.



O gosto pela matemática divide as opiniões dos estudantes desde que estão nos primeiros anos do ensino fundamental. Há os que adoram o mundo dos números e há os que torcem o nariz só de pensar em fazer uma multiplicação. Muitos destes últimos manifestam uma grande ansiedade em relação à matemática, que pode ser definida como uma resposta emocional desagradável à matemática, e que é mais comum em mulheres do que em homens. O fato dessa ansiedade em relação à matemática ser mais comum em mulheres, ou meninas, é usado por alguns como evidência de que já na infância as mulheres seriam menos aptas para a matemática do que os homens.

Isso, no entanto, não é necessariamente verdade – e, aliás, há evidências de que não há uma inaptidão inata de qualquer dos sexos para a matemática. Ao contrário, a ansiedade em relação à matemática poderia ser... aprendida. E aprendida, por exemplo, da própria professora de matemática.

Isso é o que descobriram Sian Beilock e colegas, da Universidade de Chicago, em uma pesquisa com estudantes e professoras do ensino fundamental nos EUA, onde 90% dos professores do ensino fundamental são mulheres. O grupo testou as habilidades matemáticas e o grau de ansiedade com relação à matemática de 17 professoras da 1ª e 2ª série do ensino fundamental (mas não professores). Também os estudantes, nos três primeiros meses de aula e nos dois últimos, tiveram testadas suas habilidades matemáticas e sua crença no estereótipo acadêmico de gêneros (“meninos são melhores em matemática e meninas são melhores em leitura”). Afinal, seria possível que a ansiedade matemática das professoras levasse a um menor desempenho das alunas em matemática se estas se acreditassem intrinsicamente ineptas, como sua professora, para a matemática.

Para avaliar a crença no estereótipo acadêmico, os pesquisadores contavam duas histórias isoladas sobre um estudante (sem distinção de sexo, o que funciona em inglês) bom em matemática e um estudante (também sem distinção de sexo) bom em leitura e pediam às crianças para desenhar cada um dos personagens. Os cientistas perguntavam, então, às crianças se os personagens que haviam desenhado eram menino ou menina. O exercício foi realizado duas vezes: no início e no fim do ano letivo.

Resultado: no fim, mas não no início do ano letivo, as meninas lecionadas por professoras com ansiedade matemática tinham maior propensão a acreditar no estereótipo “meninos são bons em matemática e meninas são boas em leitura”. Ao final do ano, essas meninas, alunas de professoras com ansiedade matemática, também tinham menor desempenho matemático em relação aos meninos de sua classe e em relação às meninas da mesma classe que não acreditavam no estereótipo – embora no começo do ano todos tivessem desempenho igual. Os meninos, aliás, não parecem ser afetados pela ansiedade da professora, tenham eles ou não crença no estereótipo acadêmico.

A influência da ansiedade das professoras somente sobre as meninas pode ser atribuída ao fato de crianças em idade escolar (1a e 2a séries) tenderem a se espelhar nos adultos de mesmo sexo para compor seu repertório de comportamentos socialmente aceitáveis. Além disso, essas crianças já conhecem crenças comumente aceitas sobre gêneros e habilidades a elas atribuídas, e tendem a adotar comportamentos e atitudes que elas pensam ser adequados a cada sexo. Sendo assim, se a professora demonstra ansiedade em relação à disciplina e o senso comum diz que os meninos são melhores do que as meninas em matemática, muitas meninas acreditam nisso e sentem-se desmotivadas em desafios matemáticos. Essa falta de motivação tem uma influência direta no desempenho dessas meninas, que acaba sendo pior do que o esperado. Aliada à aceitação do estereótipo, a ansiedade matemática da professora, portanto, leva a queda do desempenho na disciplina, mesmo que a pessoa tenha habilidades suficientes para obter sucesso com os números.

Não se deve, contudo, colocar a culpa só na professora: há muitas outras fontes prováveis de influência no desempenho matemático das meninas, como professoras anteriores, pais, mães e irmãos, que reforçam ou não o estereótipo de habilidades acadêmicas.

O importante é lembrar que o desempenho geral de meninas e meninos não apresenta diferenças inatas: as habilidades são as mesmas entre os sexos, e o que difere é o estímulo que é dado a meninos e meninas para desenvolver suas competências. (SAC, 12/03/10).

Fontes: Beilock SL, Gunderson EA, Ramirez G, Levine SC (2010) Female teacher´s math anxiety affect girls’ math achievement. PNAS 107, 1860-1863.

Para ler mais: veja Mulheres e matemática, aqui nO Cérebro Nosso de Cada Dia.

DISTÚRBIOS, TRANSTORNOS, DIFICULDADES E PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM:


DISTÚRBIOS, TRANSTORNOS, DIFICULDADES E PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM:


Juliana Zantut Nutti

A definição do que se considera como distúrbio, transtorno, dificuldade e/ou problema de aprendizagem é uma das mais inquietantes problemáticas para aqueles que se atuam no diagnóstico, prevenção e reabilitação do processo de aprendizagem, pois envolve uma vasta literatura fundamentada em concepções nem sempre coincidentes ou convergentes. O grande número de obras relacionadas à temática impede que se contemplem todas as definições e abordagens sobre os conceitos mencionados. Pretende-se, no presente artigo, a partir de uma revisão bibliográfica, empreender uma descrição dos conceitos recorrentes na literatura especializada e discutir-se algumas perspectivas de análise sobre o que se vem denominando como “dificuldade de aprendizagem”, a fim de propor um painel provisório acerca da temática. Como síntese apresenta-se a análise de Romero (1995), que situa as diversas teorias ou modelos de concepção sobre as dificuldades de aprendizagem em um contínuo pessoa - ambiente, defendendo uma posição intermediária, integradora e interacionista, baseada em um concepção dialética das dificuldades de aprendizagem, na qual posições aparentemente opostas podem dialogar e serem complementares entre si.



Introdução

A literatura a respeito do diagnóstico e tratamento de distúrbios, transtornos, dificuldades ou problemas de aprendizagem é vasta e fundamentada em concepções, muitas vezes, divergentes entre si.

Devido o grande número de obras relacionadas ao assunto, torna-se inviável contemplar todas as possíveis definições e abordagens sobre esses conceitos. Portanto, nesse texto pretendemos analisar os conceitos mais comumente utilizados na literatura especializada e algumas das muitas perspectivas de análise sobre as dificuldades de aprendizagem, procurando traçar um panorama (ainda que provisório) sobre essa temática.

Segundo Moojen (1999), os termos distúrbios, transtornos, dificuldades e problemas de aprendizagem tem sido utilizados de forma aleatória, tanto na literatura especializada como na prática clínica e escolar, para designar quadros diagnósticos diferentes.

Na mesma perspectiva, França (1996) coloca que a utilização dos termos distúrbios, problemas e dificuldades de aprendizagem é um dos aspectos menos conclusivos para aqueles que iniciam a formação em Psicopedagogia. Para o autor, aparentemente os defensores da abordagem comportamental preferem a utilização do termo distúrbio, enquanto os construtivistas parecem ser adeptos do termo dificuldade. Ainda de acordo com o autor, aparentemente a distinção feita entre os termos dificuldades e distúrbios de aprendizagem esteja baseada na concepção de que o termo “dificuldade” está mais relacionado à problemas de ordem psicopedagógica e/ou sócio - culturais, ou seja, o problema não está centrado apenas no aluno, sendo que essa visão é mais freqüentemente utilizado em uma perspectiva preventiva; por outro lado, o termo “distúrbio” está mais vinculado ao aluno, na medida em que sugere a existência de comprometimento neurológicos em funções corticais específicas, sendo mais utilizado pela perspectiva clínica ou remediativa.


Distúrbios de aprendizagem

Collares e Moysés (1992) analisaram o conceito de distúrbios de aprendizagem do ponto de vista etimológico e a partir do conceito proposto pelo National Joint Comittee for Learning Disabilities (Comitê Nacional de Dificuldades de Aprendizagem), Estados Unidos da América.

Etimologicamente, a palavra distúrbio compõem-se do radical turbare e do prefixo dis. O radical turbare significa “alteração violenta na ordem natural” e pode ser identificado também nas palavras turvo, turbilhão, perturbar e conturbar. O prefixo dis tem como significado “alteração com sentido anormal, patológico” e possui valor negativo. O prefixo dis é muito utilizado na terminologia médica (por exemplo: distensão, distrofia). Em síntese, do ponto do vista etimológico, a palavra distúrbio pode ser traduzida como “anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural”


Segundo as autoras, seguindo a mesma perspectiva etimológica, a expressão distúrbios de aprendizagem teria o significado de “anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural da aprendizagem”, obviamente localizada em quem aprende. Portanto, um distúrbio de aprendizagem obrigatoriamente remete a um problema ou a uma doença que acomete o aluno em nível individual e orgânico.

De acordo com Collares e Moysés (1992), o uso da expressão distúrbio de aprendizagem tem se expandido de maneira assustadora entre os professores, apesar da maioria desses profissionais nem sempre conseguir explicar claramente o significado dessa expressão ou os critérios em que se baseiam para utilizá-la no contexto escolar. Na opinião das autoras, a utilização desmedida da expressão distúrbio de aprendizagem no cotidiano escolar seria mais um reflexo do processo de patologização da aprendizagem ou da biologização das questões sociais.

De acordo com a definição estabelecida em 1981 pelo National Joint Comittee for Learning Disabilities (Comitê Nacional de Dificuldades de Aprendizagem), nos Estados Unidos da América,

Distúrbios de aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de alterações manifestas por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estas alterações são intrínsecas ao indivíduo e presumivelmente devidas à disfunção do sistema nervoso central. Apesar de um distúrbio de aprendizagem poder ocorrer concomitantemente com outras condições desfavoráveis (por exemplo, alteração sensorial, retardo mental, distúrbio social ou emocional) ou influências ambientais (por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente/inadequada, fatores psicogênicos), não é resultado direto dessas condições ou influências. (Collares e Moysés, 1992: 32)


O National Joint Comittee for Learning Disabilities é considerado, nos Estados Unidos da América, como o órgão competente para normatizar os assuntos referentes aos distúrbios de aprendizagem. A fim de prevenir a ocorrência de erros de interpretação o Comitê publicou a definição acima apresentada com explicações específicas ao longo de cada frase.

A frase “estas alterações são intrínsecas ao indivíduo e presumivelmente devidas à disfunção do sistema nervoso central”, por exemplo, vem acompanhada da explicação de que a fonte do distúrbio deve ser encontrada internamente à pessoa que é afetada e que a causa do distúrbio de aprendizagem é uma disfunção conhecida ou presumida no sistema nervoso central. Acerca da evidência concreta de organicidade relacionada ao distúrbio de aprendizagem, o Comitê afirma que, apesar de não ser necessário que tal evidência esteja presente, é necessário que, pelo menos, uma disfunção do sistema nervoso central seja a causa suspeita para que o distúrbio possa ser diagnosticado.

No entanto, segundo Ross (1979, citado por Miranda, 2000), a utilização do termo “distúrbio de aprendizagem”, chama a atenção para a existência de crianças que freqüentam escolas e apresentam dificuldades de aprendizagem, embora aparentemente não possuam defeitos físicos, sensoriais, intelectuais ou emocionais. Esse rótulo, segundo o autor, ocasionou durante anos que tais crianças fossem ignoradas, mal diagnosticadas ou maltratadas e as dificuldades que demonstravam serem designadas de várias maneira como “hiperatividade”, “síndrome hipercinética”, “síndrome da criança hiperativa”, “lesão cerebral mínima”, disfunção cerebral mínima”, “dificuldade de aprendizagem” ou “disfunção na aprendizagem.”

Para Collares e Moysés (1992), os distúrbios de aprendizagem seriam frutos do pensamento médico, surgindo como entidades nosológicas e com o caráter de doenças neurológicas.

Transtornos de aprendizagem

Outra terminologia recorrente na literatura especializada é a palavra “transtorno”. Segundo a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da Classificação Internacional de Doenças - 10, elaborado pela Organização Mundial de Saúde:


O termo “transtorno” é usado por toda a classificação, de forma a evitar problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos tais como “doença” ou “enfermidade”. “Transtorno” não é um termo exato, porém é usado para indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais (CID - 10, 1992: 5).


A Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da Classificação Internacional de Doenças - 10 (ou, simplesmente CID - 10) situa os problemas referentes à aprendizagem na classificação Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares (F81), que, por sua vez, está inserida na categoria mais ampla de Transtornos do desenvolvimento psicológico (F80 - 89).

Segundo o CID - 10, todos os transtornos incluídos na categoria Transtornos do desenvolvimento psicológico (F80 - 89), inclusive os Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares (F81), possuem os seguintes aspectos em comum:

- um início que ocorre invariavelmente no decorrer da infância;

- um comprometimento ou atraso no desenvolvimento de funções que são fortemente relacionadas à maturação biológica do sistema nervoso central;

- um curso estável que não envolve remissões (desaparecimentos) e recaídas que tendem a ser características de muitos transtornos mentais.

Segundo o CID - 10:

Na maioria dos casos, as funções afetadas incluem linguagem, habilidades visuoespaciais e/ou coordenação motora. É característico que os comprometimentos diminuam progressivamente à medida que a criança cresce (embora déficits mais leves freqüentemente perdurem na vida adulta). Em geral, a história é de um atraso ou comprometimento que está presente desde tão cedo quando possa ser confiavelmente detectado, sem nenhum período anterior de desenvolvimento normal. A maioria dessas condições é mais comum em meninos que em meninas. (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da Classificação Internacional de Doenças - 10, 1992: 228).

Em relação aos Transtornos do desenvolvimento psicológico (F80 - 89), o documento coloca que é característicos a esses tipos de transtornos que uma história familiar de transtornos similares ou relacionados esteja presente e que fatores genéticos tenham um papel importante na etiologia (conjunto de possíveis causas) de muitos (mas não de todos) os casos. Os fatores ambientais freqüentemente podem influenciar as funções de desenvolvimento afetadas, porém, na maioria dos casos, esses fatores não possuem uma influência predominante. E adverte que, embora exista uma concordância na conceituação global dos transtornos do desenvolvimento psicológico, a etiologia na maioria dos casos é desconhecida e há incerteza contínua com respeito a ambos (CID - 10, 1992: 228).

Acerca dos Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares (F81), o documento coloca que
(...) são transtornos nos quais os padrões normais de aquisição de habilidades são perturbados desde os estágios iniciais do desenvolvimento. Eles não são simplesmente uma conseqüência de uma falta de oportunidade de aprender nem são decorrentes de qualquer forma de traumatismo ou de doença cerebral adquirida. Ao contrário, pensa-se que os transtornos originam-se de anormalidades no processo cognitivo, que derivam em grande parte de algum tipo de disfunção biológica (CID - 10, 1992: 236).


Quanto ao diagnóstico desses tipos de transtornos, o CID - 10 alerta que existem cinco tipos de dificuldades para que esse seja estabelecido, dos quais destacam-se:

- a necessidade de diferenciar os transtornos de variações normais nas realizações escolares;

- a necessidade de levar em consideração o curso do desenvolvimento, pois, em primeiro lugar, o significado de um atraso de um ano em leitura, na idade de 7 anos é diferente do atraso de um anos aos 14 anos de idade. Em segundo lugar, é comum que um atraso de linguagem nos anos pré - escolares desapareça no que diz respeito à linguagem falada, mas seja seguido por um atraso específico na leitura, o qual, por sua vez, pode diminuir na adolescência, ou seja, a condição é a mesma ao longo do tempo, mas o padrão se altera com o aumento da idade;

- a dificuldade de que as habilidades escolares têm que ser ensinadas e aprendidas: essas habilidades não são apenas resultados da maturação biológica e, dessa maneira, o nível de habilidades de uma criança dependerá das circunstâncias familiares e da escolaridade, além de suas próprias características individuais.

Fazem parte da categoria Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares (F81), as seguintes subcategorias:

F81.0 - Transtorno específico da leitura

F81.1 - Transtorno específico do soletrar

F81.2. - Transtorno específico de habilidades aritméticas

F81.3 - Transtorno misto das habilidades escolares

F81.8 - Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares

F81.9 - Transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares, não especificado

De acordo com o CID - 10, os Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares são compostos por grupos de transtornos manifestados por comprometimentos específicos e significativos no aprendizado de habilidades escolares, comprometimentos esses que não são resultado direto de outros transtornos, como o retardo mental, os déficits neurológicos grosseiros, os problemas visuais ou auditivos não corrigidos ou as perturbações emocionais, embora eles possam ocorrer simultaneamente com essas condições. Os transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares geralmente ocorrem junto com outras síndromes clínicas, como por exemplo, o transtorno de déficit de atenção ou o transtorno de conduta, ou outros transtornos do desenvolvimento, tais como o transtorno específico do desenvolvimento da função motora ou os transtornos específicos do desenvolvimento da fala e linguagem.

As possíveis causas dos Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares não são conhecidas, mas supõe-se que exista a predominância de fatores biológicos, os quais interagem com fatores não biológicos, como oportunidade para aprender e qualidade do ensino. É um fator diagnóstico importante que os transtornos se manifestem durante os primeiros anos de escolaridade. Portanto, segundo o CID - 10, o atraso do desempenho escolar de crianças em um estágio posterior de suas vidas escolares, devido à falta de interesse, a um ensino deficiente, a perturbações emocionais ou ao aumento ou mudança no padrão de exigência das tarefas, não podem ser considerados Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares.

Ao lado da definição proposta pelo CID - 10, apresentados a análise realizada por Moojen (1999) sobre o conceito de Transtornos de Aprendizagem, a partir do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - IV). Segundo essa análise, o termo Transtorno de Aprendizagem situa-se na categoria dos Transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou adolescência, sendo classificado em Transtorno de Leitura, Transtorno de Matemática e Transtorno da Expressão Escrita. Os Transtornos de Aprendizagem são diagnosticados quando o desempenho de indivíduos submetidos a testes padronizados de leitura, matemática ou expressão escrita está significativamente abaixo do esperado para a idade, escolarização e nível de inteligência. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - IV) estima que a prevalência dos Transtornos de Aprendizagem seja na faixa de 2 a 10% da população, dependendo da natureza da averiguação e das definições explicadas.


Dificuldades ou problemas de aprendizagem

Moojen (1999) afirma que, ao lado do pequeno grupo de crianças que apresenta Transtornos de Aprendizagem decorrente de imaturidade do desenvolvimento e/ou disfunção psiconeurológica, existe um grupo muito maior de crianças que apresenta baixo rendimento escolar em decorrência de fatores isolados ou em interação. As alterações apresentadas por esse contingente maior de alunos poderiam ser designado como “dificuldades de aprendizagem”. Participariam dessa conceituação os atrasos no desempenho escolar por falta de interesse, perturbação emocional, inadequação metodológica ou mudança no padrão de exigência da escola, ou seja, alterações evolutivas normais que foram consideradas no passado como alterações patológicas.


Pain (1981, citado por Rubinstein, 1996) considera a dificuldade para aprender como um sintoma, que cumpre uma função positiva tão integrativa como o aprender, e que pode ser determinado por:

1. Fatores orgânicos: relacionados com aspectos do funcionamento anatômico, como o funcionamento dos órgãos dos sentidos e do sistema nervoso central;

2. Fatores específicos: relacionados à dificuldades específicas do indivíduo, os quais não são passíveis de constatação orgânica, mas que se manifestam na área da linguagem ou na organização espacial e temporal, dentre outros;

3. Fatores psicógenos: é necessário que se faça a distinção entre dificuldades de aprendizagem decorrentes de um sintoma ou de uma inibição. Quando relacionado ao um sintoma, o não aprender possui um significado inconsciente; quando relacionado a uma inibição, trata-se de uma retração intelectual do ego, ocorrendo uma diminuição das funções cognitivas que acaba por acarretar os problemas para aprender;

4. Fatores ambientais: relacionados às condições objetivas ambientais que podem favorecer ou não a aprendizagem do indivíduo.


Fernández (1991) também considera as dificuldades de aprendizagem como sintomas ou “fraturas” no processo de aprendizagem, onde necessariamente estão em jogo quatro níveis: o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo. A dificuldade para aprender, segundo a autora, seria o resultado da anulação das capacidades e do bloqueamento das possibilidades de aprendizagem de um indivíduo e, a fim de ilustrar essa condição, utiliza o termo inteligência aprisionada (atrapada, no idioma original).

Para a autora, a origem das dificuldades ou problemas de aprendizagem não se relaciona apenas à estrutura individual da criança, mas também à estrutura familiar a que a criança está vinculada. As dificuldades de aprendizagem estariam relacionadas às seguintes causas:

1. Causas externas à estrutura familiar e individual: originariam o problema de aprendizagem reativo, o qual afeta o aprender mas não aprisiona a inteligência e, geralmente, surge do confronto entre o aluno e a instituição;

2. Causas internas à estrutura familiar e individual: originariam o problema considerado como sintoma e inibição, afetando a dinâmica de articulações necessárias entre organismo, corpo, inteligência e desejo, causando o desejo inconsciente de não conhecer e, portanto, de não aprender;

3. Modalidades de pensamento derivadas de uma estrutura psicótica, as quais ocorrem em menor número de casos;

4. Fatores de deficiência orgânica: em casos mais raros.

A aprendizagem e seus desvios, para Fernández, compreendem não somente a elaboração objetivante, como também a elaboração subjetivante, as quais estão relacionadas às experiências pessoais, aos intercâmbios afetivos e emocionais, recordações e fantasias (Miranda, 2000).

Em busca de uma síntese (ainda que provisória)

Em uma tentativa de síntese, apresentaremos a proposta de análise de Romero (1995), o qual afirma que, apesar da proliferação de teorias e modelos explicativos com a pretensão, nem sempre bem - sucedida, de esclarecer as dificuldades aprendizagem, em geral essas costumam ser atribuídas a:

1. Variáveis pessoais, como a heterogeneidade ou a lesões cerebrais;

2. Variáveis ambientais, como ambientes familiares e educacionais inadequados;

3. Combinação interativa de ambos os tipos.

Segundo o autor, é possível situar as diferentes teorias ou modelos de concepção das dificuldades de aprendizagem em um contínuo pessoa - ambiente, dependendo da ênfase na responsabilidade da pessoa ou do ambiente na causa da dificuldade.

Em um extremo estariam todas as explicações que se centram no aluno e que compartilham a concepção da pessoa como um ser ativo, considerando o organismo como a fonte de todos os atos. No outro extremo, estariam situadas as correntes de cunho ambiental, que estão ligadas, em maior ou menor grau, a uma concepção mecanicista do desenvolvimento, considerando que a pessoa é controlada pelos estímulos do ambiente externo.

Para melhor visualização, reproduz-se abaixo o quadro originalmente elaborado pelo autor:

As teorias sobre a origem das dificuldades de aprendizagem
situadas em um contínuo pessoa - ambiente segundo a ênfase na importância
daquela ou deste na causa das dificuldades

P ® Teorias sobre déficits neurológicos



E ® Teoria sobre déficits de processos



S psiconeurológicos subjacentes: - Perceptivos



S ® Linguísticos



O ® Teorias sobre atrasos maturativos: Do Sistema Nervoso Central



A ® De funções psicológicas



® Teorias sobre deficiências no processamento ativo da informação



A



M - Baseadas em processos psicológicos subjacentes



B ® Teorias integradoras - Baseadas no processamento da informação



I



E ® Teorias centradas no ambiente



N sócio - educacional do aluno: - No ambiente sociológico



T - No ambiente educacional



E ® Teorias centradas na tarefa


Fonte: ROMERO, J. F. Os atrasos maturativos e as dificuldades de aprendizagem. In: COLL. C., PALACIOS, J., MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, v. 3

No entanto, segundo Romero (1995), as posições nem sempre limitam-se a uma ou outra dessas categorias: será difícil encontrar, nos dias de hoje, um defensor de causas neurológicas que descarte completamente a importância dos diversos determinantes ambientais, assim como que quem enfatiza a importância dos fatores puramente acadêmicos não pode ignorar a influência de certos processos psiconeurológicos e ambientais.

Nesse sentido, Scoz (1994: 22) coloca que

(...) os problemas de aprendizagem não são restringíveis nem a causas físicas ou psicológicas, nem a análises das conjunturas sociais. É preciso compreendê-los a partir de um enfoque multidimensal, que amalgame fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos dentro das articulações sociais. Tanto quanto a análise, as ações sobre os problemas de aprendizagem devem inserir-se num movimento mais amplo de luta pela transformação da sociedade.

Portanto, em posições intermediárias do contínuo pessoa - ambiente deve-se situar a maioria dos autores, os quais defendem posturas integradoras e interacionistas, baseadas em um concepção dialética das dificuldades de aprendizagem, na qual posições aparentemente opostas podem dialogar e serem complementares entre si.

Para fazer o download clique aqui.

Referências bibliográficas

Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Organização Mundial de Saúde (Org.). Porto Alegre: Artes Médicas, 1993

COLLARES, C. A. L. e MOYSÉS, M. A. A. A História não Contada dos Distúrbios de Aprendizagem. Cadernos CEDES no 28, Campinas: Papirus, 1993, pp.31-48.

FERNÁNDEZ. A. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e da família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991

FRANÇA, C. Um novato na Psicopedagogia. In: SISTO, F. et al. Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996

MIRANDA, M. I. Crianças com problemas de aprendizagem na alfabetização: contribuições da teoria piagetiana. Araraquara, SP: JM Editora, 2000

MOOJEN, S. Dificuldades ou transtornos de aprendizagem? In: Rubinstein, E. (Org.). Psicopedagogia: uma prática, diferentes estilos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999

ROMERO, J. F. Os atrasos maturativos e as dificuldades de aprendizagem. In: COLL. C., PALACIOS, J., MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, v. 3

RUBISTEIN, E. A especificidade do diagnóstico psicopedagógico. In: SISTO, F. et al. Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996

SCOZ, B. Psicopedagogia e realidade escolar, o problema escolar e de aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1994

Publicado em 01/05/2002

FONTE DE PESQUISA:

http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=339

terça-feira, 2 de março de 2010

Tocar música aumenta a capacidade intelectual das crianças


De acordo com um novo estudo crianças que tocam instrumentos musicais ficam mais sensíveis aos sons, incluindo a fala das pessoas e, por conseqüência, aumentando a capacidade delas de aprender novas línguas.




Os testes mostraram as vantagens da exposição de crianças à música, incluindo aquelas que são autistas ou que têm dislexia. Os pesquisadores estabeleceram, então, um elo entre o “ouvido musical” e a capacidade do sistema nervoso de absorver qualquer tipo de som.



De acordo com o estudo, quando as crianças tocavam um instrumento elas tinham um impacto em uma área do cérebro que controla a respiração, as batidas do coração e a reação aos sons.



Os resultados mostraram que crianças “musicais” têm mais facilidade de se comunicar, de interagir com os outros, de relaxar e de expressar suas emoções. Parece que a conversa da sua tia sobre como seu primo pirralho que aprendeu a tocar banjo é incrivelmente inteligente pode não ser só síndrome de mãe coruja. [Telegraph]