sexta-feira, 19 de março de 2010

Estereótipo acadêmico.



O gosto pela matemática divide as opiniões dos estudantes desde que estão nos primeiros anos do ensino fundamental. Há os que adoram o mundo dos números e há os que torcem o nariz só de pensar em fazer uma multiplicação. Muitos destes últimos manifestam uma grande ansiedade em relação à matemática, que pode ser definida como uma resposta emocional desagradável à matemática, e que é mais comum em mulheres do que em homens. O fato dessa ansiedade em relação à matemática ser mais comum em mulheres, ou meninas, é usado por alguns como evidência de que já na infância as mulheres seriam menos aptas para a matemática do que os homens.

Isso, no entanto, não é necessariamente verdade – e, aliás, há evidências de que não há uma inaptidão inata de qualquer dos sexos para a matemática. Ao contrário, a ansiedade em relação à matemática poderia ser... aprendida. E aprendida, por exemplo, da própria professora de matemática.

Isso é o que descobriram Sian Beilock e colegas, da Universidade de Chicago, em uma pesquisa com estudantes e professoras do ensino fundamental nos EUA, onde 90% dos professores do ensino fundamental são mulheres. O grupo testou as habilidades matemáticas e o grau de ansiedade com relação à matemática de 17 professoras da 1ª e 2ª série do ensino fundamental (mas não professores). Também os estudantes, nos três primeiros meses de aula e nos dois últimos, tiveram testadas suas habilidades matemáticas e sua crença no estereótipo acadêmico de gêneros (“meninos são melhores em matemática e meninas são melhores em leitura”). Afinal, seria possível que a ansiedade matemática das professoras levasse a um menor desempenho das alunas em matemática se estas se acreditassem intrinsicamente ineptas, como sua professora, para a matemática.

Para avaliar a crença no estereótipo acadêmico, os pesquisadores contavam duas histórias isoladas sobre um estudante (sem distinção de sexo, o que funciona em inglês) bom em matemática e um estudante (também sem distinção de sexo) bom em leitura e pediam às crianças para desenhar cada um dos personagens. Os cientistas perguntavam, então, às crianças se os personagens que haviam desenhado eram menino ou menina. O exercício foi realizado duas vezes: no início e no fim do ano letivo.

Resultado: no fim, mas não no início do ano letivo, as meninas lecionadas por professoras com ansiedade matemática tinham maior propensão a acreditar no estereótipo “meninos são bons em matemática e meninas são boas em leitura”. Ao final do ano, essas meninas, alunas de professoras com ansiedade matemática, também tinham menor desempenho matemático em relação aos meninos de sua classe e em relação às meninas da mesma classe que não acreditavam no estereótipo – embora no começo do ano todos tivessem desempenho igual. Os meninos, aliás, não parecem ser afetados pela ansiedade da professora, tenham eles ou não crença no estereótipo acadêmico.

A influência da ansiedade das professoras somente sobre as meninas pode ser atribuída ao fato de crianças em idade escolar (1a e 2a séries) tenderem a se espelhar nos adultos de mesmo sexo para compor seu repertório de comportamentos socialmente aceitáveis. Além disso, essas crianças já conhecem crenças comumente aceitas sobre gêneros e habilidades a elas atribuídas, e tendem a adotar comportamentos e atitudes que elas pensam ser adequados a cada sexo. Sendo assim, se a professora demonstra ansiedade em relação à disciplina e o senso comum diz que os meninos são melhores do que as meninas em matemática, muitas meninas acreditam nisso e sentem-se desmotivadas em desafios matemáticos. Essa falta de motivação tem uma influência direta no desempenho dessas meninas, que acaba sendo pior do que o esperado. Aliada à aceitação do estereótipo, a ansiedade matemática da professora, portanto, leva a queda do desempenho na disciplina, mesmo que a pessoa tenha habilidades suficientes para obter sucesso com os números.

Não se deve, contudo, colocar a culpa só na professora: há muitas outras fontes prováveis de influência no desempenho matemático das meninas, como professoras anteriores, pais, mães e irmãos, que reforçam ou não o estereótipo de habilidades acadêmicas.

O importante é lembrar que o desempenho geral de meninas e meninos não apresenta diferenças inatas: as habilidades são as mesmas entre os sexos, e o que difere é o estímulo que é dado a meninos e meninas para desenvolver suas competências. (SAC, 12/03/10).

Fontes: Beilock SL, Gunderson EA, Ramirez G, Levine SC (2010) Female teacher´s math anxiety affect girls’ math achievement. PNAS 107, 1860-1863.

Para ler mais: veja Mulheres e matemática, aqui nO Cérebro Nosso de Cada Dia.

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