domingo, 18 de julho de 2010

ALFABETIZAÇÃO: É UMA QUESTÃO DE MÉTODO?



DESABAFO DO MINISTRO DE EDUCAÇÃO DA FRANÇA, JACQUES LANG
“Anos de experiência demonstraram o que é e o que não é eficaz em matéria de pedagogia. Sabemos, por exemplo, que o famoso método global no ensino da leitura teve conseqüências catastróficas. Mesmo se fosse um método usado raríssimamente, ninguém proibiu o seu uso. Os novos programas (de ensino da França) afastam definitivamente o seu uso."
– Jacques Lang, no prefácio dos Novos Programas de Ensino, 2002 
 O desabafo do ministro Jacques Lang contra “barbeiragens” profissionais


não é o único exemplo do tom emocional comumente associado à discussão de métodos de alfabetização. Em seções anteriores, já vimos como pessoas com sólida formação científica, como Smith, abandonaram os pressupostos de sua formação para aderir a suas crenças. 

No Brasil, é comum ouvir-se afirmações do tipo:


• O construtivismo é um enfoque, não é um método de alfabetização.
• Qualquer método de alfabetização é bom, tudo depende do professor.
• Os professores deveriam saber usar todos os métodos, utilizando-os de

acordo com as características dos alunos.

• Os professores deveriam desenvolver seus próprios materiais e decidir
sobre os métodos mais adequados.
• Métodos não são relevantes – para ensinar a ler, basta inundar a sala de
aula com textos autênticos, de preferência apresentados nos seus
portadores originais.
• Alfabetização é trivial, basta motivação para ensinar alguém a ler.
• Tudo se resolve se os professores voltarem a ter liberdade de fazer o que
sabem, sem a coerção de orientações oficiais ou a imposição de métodos ou
materiais.
• A alfabetização era mais eficaz quando se usavam as cartilhas (e alguns até
dirão, a palmatória...).

A presente seção discute evidências que colocam em questão esse tipo de afirmação. Mais importante, seu objetivo é demonstrar que a ciência da leitura contém importantes informações e prescrições que podem ajudar na formulação de políticas mais eficazes de alfabetização.



Tradicionalmente, os métodos eram classificados em analíticos e sintéticos.


Essa distinção se apoiava na ênfase e direção dada ao ensino. O enfoque tradicional da questão: métodos analíticos e sintéticos. A essência da alfabetização reside na decodificação do código alfabético.Daí que o fulcro de toda discussão sobre alfabetização é sempre polarizado na questão dos métodos – essencialmente, dos métodos para identificar as palavras.

 Os métodos analíticos seguem da parte para o todo, a parte podendo ser o fonema (nos
métodos fônicos), a letra (nos métodos alfabéticos), a sílaba, palavra etc. Os métodos sintéticos seguem do todo para as partes, o todo podendo ser um texto, parágrafo, sentença ou mesmo uma palavra-chave, como no caso do Método Paulo Freire. Em ambos os casos, a própria terminologia enfatiza a centralidade da decodificação em qualquer processo de alfabetização (Ministère de la Jeunesse, de l’Education et de la Recherche, 1998, p. 86).

A palavra método é usada de forma muito abrangente e pouco rigorosa, e a expressão método de alfabetização vem se tornando cada vez menos precisa, perdendo sua utilidade como instrumento de comunicação. Freqüentemente, o termo é associado a procedimentos, por exemplo, ao se falar de um método audiovisual. Quando se fala em Método Paulo Freire, freqüentemente apreocupação maior é com a dimensão política do que com o conceito de decodificar uma palavra-chave. Outras vezes, o método é associado ao nome do seu criador (Método Freinet, Montessori), ao título de uma cartilha ou a um
conjunto específico de materiais de um autor, editora ou rede de ensino. Os proponentes de abordagens conhecidas como construtivismo, no Brasil (Whole Language, em países de língua inglesa), não se associam a nenhum método e sequer dão importância ao tema – tendo em vista que sua abordagem do processo de ensinar a ler propõe o uso incidental do ensino da decodificação – o que é antitético com a idéia de método.

 Os PCNs, por exemplo, identificamse com o que se denomina de método ideovisual, definido adiante.
Apesar das dificuldades de separar métodos dos materiais usados para o ensino e das circunstâncias em que são aplicados, o uso de esquemas experimentais rigorosos vem permitindo avaliar a efetividade de diferentes métodos, seja em contextos experimentais de laboratório, seja em estudos de campo envolvendo inúmeros professores e salas de aula, conforme já documentado anteriormente. Diversas revisões da literatura, como, por exemplo, National Reading Panel ((2000), Snow et al (1998) utilizaram complexos modelos estatísticos para reavaliar os resultados acumulados em diferentes pesquisas. Essas revisões levaram a conclusões que serão discutidas adiante.



Métodos de ensino: uma abordagem contemporânea

Uma maneira produtiva de lidar com a questão de comparação de métodos consiste em determinar que componentes específicos dos vários métodos produzem determinados resultados. As conclusões desse tipo de estudo permitem inferir princípios e orientações que devem nortear a produção de materiais didáticos e o uso de diferentes métodos para alfabetizar.A publicação do Observatório Nacional de Leitura da França "Apprendre a Lire" (Ministère de la Jeunesse, de l`Education et de la Recherche, 1988) refere-se

a três concepções de alfabetização predominantes: alfabética, fônica e ideovisual.



A concepção alfabética (que seria o tradicional be-a-bá) leva os alunos a identificar letras, seus nomes, memorizar o alfabeto e combinar as letras para formar sílabas, normalmente de complexidade crescente, até que sejam capazes de formar palavras (para ler e escrever). Freqüentemente, quando começam a ler palavras, as crianças o fazem escandindo a leitura, utilizando o nome das letras para formar sílabas como o be + a = bá. Muitas cartilhas ainda existentes no Brasil são remanescentes dessa concepção – embora raramente mantenham o ensino exclusivamente centrado nesse tipo de atividade.

A concepção fônica propõe um ensino sistemático das relações entre as unidades gráficas do alfabeto (letras ou combinações de letras, como no caso dos dígrafos) e suas correspondentes unidades fonológicas (sons). Os sons – e não o nome das letras, como na concepção alfabética – são usados para fazer a síntese e propiciar a leitura. A análise e a síntese de fonemas são as duas estratégias mais eficazes para levar o aluno a ler (transformar letras em sons) e escrever (transformar sons em letras). Enfoques mais atualizados dessa concepção não requerem ou recomendam que o ensino das correspondências seja baseado exclusivamente em unidades sub-lexicais sem sentido.

A concepção ideovisual não se define como um método, mas como uma
filosofia. Essencialmente, ela pressupõe que a aprendizagem se dá pela identificação visual da palavra. O contexto é considerado essencial para ajudar os alunos a identificar a palavra a partir de sua forma visual. Diante de palavras encontradas em textos, os alunos fazem hipóteses a respeito da relação de sons,e letras. Na verdade, isso não ocorre sempre, apenas quando não é possível identificar a palavra pelo contexto ou por identificação direta.

O termo “métodos mistos” é usado freqüentemente e com vários sentidos. Nem todas as combinações são igualmente eficazes ou recomendáveis. Combinar a adivinhação de palavras com estratégias de decodificação, por exemplo, pode ter resultados desastrosos. Ou usar indiscriminadamente o
nome com o som das letras para fazer síntese pode confundir mais do que ajudar o aluno a decodificar palavras.
Revisões de trabalhos experimentais e empíricos incluindo mais de 38 estudos e 66 comparações específicas confirmam a superioridade dos métodos fônicos em relação aos demais (National Reading Panel, 2000).
Em comum, esses métodos ou concepções enfatizam a decodificação grafofonológica como condição para que o aluno adquira fluência e autonomia na leitura. Instrução sistemática utilizando o princípio fônico contribuiu mais para o crescimento da capacidade de leitura do que instrução incidental ou falta de
instrução fônica. Estudos comparando diferentes tipos de programas baseados na concepção fônica evidenciam que as estratégias mais bem sucedidas incluem a síntese, que encoraja os alunos a converter letras em sons e juntá-los para formar palavras.
 Essas estratégias são mais eficazes do que as baseadas na síntese de unidades maiores do que o fonema (sílabas ou rimas, por exemplo), embora as diferenças estatísticas não sejam significativas. Os métodos baseados nessa concepção lograram melhores resultados em aplicações envolvendo indivíduos, pequenos grupos ou salas de aula. Com base nessas evidências, o referido relatório conclui que o ensino sistemático de fônica produz maior impacto no crescimento da leitura antes dos alunos adquirirem a competência para ler de forma autônoma.



Afirmar que qualquer método de alfabetização é igualmente aceitável, ou que basta o professor (ou um voluntário) estar motivado para poder alfabetizar equivale a desprezar o valor do conhecimento acumulado por meio de pesquisas científicas e a própria idéia da possibilidade de progresso em pedagogia.

Pressley (2001) analisou estudos que demonstravam que estratégias baseadas na concepção de “Whole Language” não lograram resultados eficazes para desenvolver habilidades de consciência fonêmica e reconhecimento de palavras (Stahl, McKenna & Pagnucco, 1994, Stahl e Miller, 1989), especialmente em crianças de baixo nível socioeconômico e de alto risco de fracasso escolar (Jeynes e Littel, 2000). A falta de eficácia dessas abordagens foi demonstrada em diversas variações de uso, incluindo enfoques naturais para ensinar a soletrar (Graham, 2000), desenvolvimento de habilidades de reconhecimento de palavras usando textos predizíveis (Johnston, 2000) e a aprendizagem incidental de palavras em textos para estimular a expansão do vocabulário (Swanborn e De Glopper, 1999). Esse fracasso contrasta com a facilidade com que as crianças são capazes de decodificar palavras por contra própria quando aprendem a decodificar letras e grupos de letras (Arbruster, Lehr e Osborn, 2001).

A decodificação, no entanto, não assegura, por si só, fluência e vocabulário suficientes para o aluno tornar-se um leitor independente capaz de ler textos mais interessantes, difíceis e variados. Daí a necessidade prática, durante o ensino da decodificação, de ensinar a ler algumas palavras mais comuns, especialmente conectivos, que poderão ajudar o aluno a ler textos mais complexos. Essas palavras são melhor ensinadas usando métodos de associação (reconhecimento da palavra mostrada), e não métodos de adivinhação das
palavras a partir do contexto do texto lido. Quando a criança tiver condições, também deverá ser capaz de decodificar essas palavras.

FONTE DE PESQUISA: http://www.cercimor.pt/maria/alfabetizacaoinfantil.pdf

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