domingo, 15 de agosto de 2010

Professor é alertado para distúrbios


08/08/2010


Professor é alertado para distúrbios

Rede estadual discute problemas na aprendizagem e município inclui curso específico para orientar sobre TDAH

Luciana La Fortezza

Professores da rede estadual têm sido alertados por meio de aulas por teleconferência ou em encontros presenciais para problemas como dislexia e hiperatividade desde 2007. A Secretaria do Estado da Educação, no entanto, não dispõe de dados referentes a quantos estudantes foram diagnosticados com a dificuldade em todo território paulista.

“Identificando esses estudantes, eles são encaminhados ao setor de saúde da região pelos responsáveis, que são contatados pela escola”, informa fonoaudióloga Denise Cintra Villas Boas, técnica do Centro de Apoio Pedagógico Especializado/Serviço de Educação Especial da secretaria – ao abordar especificamente sobre a dislexia.

Os professores, diz Denise, também são orientados em relação a como lidar com os alunos com dificuldades de aprendizagem. No caso da hiperatividade, por exemplo, recebem a recomendação de mantê-los nas carteiras mais próximas a eles.

“O professor tem de ter uma rotina sempre organizada, previsível. Informar o conteúdo que vai ser visto naquele dia. Isso acaba um pouco com a ansiedade do aluno. Ajuda não só o hiperativo como os outros”, informa Glenda Aref Salamah Mello, do Centro de Apoio Pedagógico Especializado/Serviço de Educação Especial da pasta.

Ao citar outras sugestões encaminhadas para tornar a sala de aula mais interessante, aponta, por exemplo, a importância em se apresentar conteúdos mais difíceis no início da aula e, se possível, combiná-la com movimentos breves de exercícios físicos. “O professor tem de dar um foco, justamente para a criança não precisar tomar a medicação. Não são todos os casos que precisam”, explica Glenda ao tratar do TDAH.

Glenda não acredita que o transtorno esteja culpabilizando crianças por fracassos da escola e acredita em evidências científicas que atribuem o problema a bases neurobiológicas.


Para professora, TDAH torna o aluno culpado

Ao estabelecer o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) como doença, o único culpado pela dificuldade no processo de aprendizagem é o aluno, opina professora Cecília Azevedo Lima Collares, que trabalhou por 28 anos na faculdade de educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Neste caso, o processo exime de responsabilidade Estado, escolas e pais.

“As próprias crianças introjetam esse rótulo de doente. É muito comum dizerem ‘a tia faz tudo o que pode, mas eu sou ruim das ideia (sic)”, comenta.

Cecília, no entanto, ressalta que se existe algum algum culpado trata-se da política educacional – não professores, nem pais, muito menos os pequenos. Para ela, fatores individuais, familiares e da escola têm peso mínimo frente às questões políticas.

“É um sistema que prioriza a educação no discurso, não na prática”, afirma. A professora ainda admite que a maior parte da categoria é mal formada e não está preparada especialmente para trabalhar com alunos de comportamento diferenciado em sala de aula.

“Só que de todos os profissionais que gravitam pela escola, a única que admite ser mal formada é a professora. A psicóloga fica ofendidíssima na mesma situação. O médico, então, morre. Em todo o curso de medicina, o médico não vê nada de aprendizagem, nem deveria porque não é professor, mas é ele quem atende a criança”, avalia.

Embora em todas as categorias haja profissionais mal preparados, muitas vezes são eles os responsáveis pelo diagnóstico de crianças eventualmente portadoras de TDAH. “Agora não tem fracasso escolar, tem distúrbio. O fracasso é da criança. O problema é computado só a ela. Mas que escola é essa que o aluno chega à 8ª série sem saber ler e escrever? As crianças não têm nada. O que existe é um problema seríssimo de ‘ensinagem’”, destaca Collares.


Outro problema é o fato das professoras terem de lidar com uma sala com 40 crianças. “Elas enlouquecem. A professora primária hoje ganha menos que muita empregada doméstica. É aviltante. Ela se diz apolítica e não percebe que está mergulhada nas políticas públicas. O problema do fracasso escolar, das invenções dessas doenças é falta de uma pedagogia bem feita. A criança precisa de ‘ensinagem’. Será que todo esse fracasso escolar não é um sucesso?”, questiona.
‘Atenção é desenvolvida através da aprendizagem’

Estar atento aos conteúdos escolares não é algo natural, mas tem que ser produzido, adverte Marisa Meira, doutora em psicologia escolar e professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru. Portanto, resta ao adulto ensinar à criança.

“A pergunta não deveria ser o que acontece com as crianças que não prestam atenção na aula. Deveria ser como se faz para produzir atenção dos alunos em sala de aula”, afirma.

Na opinião dela, mesmo as crianças diagnosticadas com TDAH podem desenvolver atenção se tiverem condição para isso. Meira desenvolve pesquisas sobre o desenvolvimento das funções superiores psicológicas na educação escolar.

“Um dos temas mais importantes é a atenção e o controle voluntário do comportamento. O mundo contemporâneo é hiperativo. É necessário, então, desenvolver o controle voluntário. Caso contrário, a pessoa é conduzida o tempo todo pelos estímulos superiores. Se não der condição da criança fazer isso, como cobrar dela atenção? A atenção também exige controle voluntário”, explica a psicóloga.

Diante disso, para ela, o desafio não é apenas orientar contra a medicação, mas mostrar que há possibilidade de se desenvolver atenção dentro da escola. “Nós acreditamos que não haja aprendizagem sem atividade intensa do aluno, mas não é qualquer atividade. Estar ativo é uma questão importante para a aprendizagem”, afirma Marisa.

Mas, segundo ela, estar ativo deixa de ser considerado importante quando se faz o diagnóstico e se medica. “Nós perguntamos: será que teríamos tantas crianças com problemas neurológicos? Se formos acreditar nisso, teríamos uma nação condenada”, opina, ao acrescentar que dados nacionais dão conta de que 70% das crianças encaminhadas aos serviços públicos de saúde mental apresentam queixas escolares.


Orientação municipal

Os projetos de educação continuada, inclusos na Semana de Educação, contemplarão curso sobre problemas como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a ser ministrado aos professores da rede municipal, informa a titular da Secretaria Municipal de Educação, Vera Casério.

De acordo com a secretaria, a abordagem, no entanto, não será profunda a ponto de dizer que a questão se dá de forma igual para todas as crianças. “Cada uma tem suas características específicas. Precisamos sempre conversar com quem fez o diagnóstico, com quem faz o acompanhamento para desenvolvermos o trabalho correto nas escolas. O diagnóstico tem que ser feito por médicos, acompanhados por psicólogos. E nós, professores, precisamos de orientação.

Na opinião de Vera, o professor não é habilitado para dizer se a criança tem ou não hiperatividade. “Se desconfiar que a criança tenha algum problema, tem de chamar os pais para encaminhá-la”, conclui.

Falta investimento

Embora a Constituição de 1988 tenha estabelecido que 25% dos impostos sejam vinculados à educação, ainda falta verba a ser aplicada nas escolas porque foram encontrados meios legais de burlar a obrigatoriedade. A informação é da professora titular de pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Aparecida Affonso Moysés.

De acordo com ela, atualmente, chegam à educação menos de 7% do previsto inicialmente. “A Constituição fala em imposto. Em 1988 nós só tínhamos impostos. Hoje, eles representam menos de 25% da arrecadação federal. O resto é taxa, contribuição sobre as quais não incidem as verbas vinculadas”, explica.

Posteriormente, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi criada a Desvinculação de Receitas da União (DRU), acrescenta a médica. Por meio da DRU, o governo federal pode desvincular 20% do total. O valor ainda é achatado por conta das isenções, como a de veículos e geladeiras, sendo que o governo arrecada por outro meio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário