domingo, 15 de agosto de 2010

Sociedade atual gera mais hiperativos


08/08/2010


Sociedade atual gera mais hiperativos

Acesso à informação e cobranças por desempenho ampliam casos de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

Luciana La Fortezza

Seja pelo excesso de atividades simultâneas exigidas pelo mundo contemporâneo, seja por conta da atenção redobrada de professores e especialistas, em virtude do fracasso escolar longe de ser revertido nas escolas ou, ainda, em função dos interesses meramente comerciais, a sociedade atual ‘produz’ a cada dia número maior de crianças e adolescentes considerados hiperativos.

Somente neste ano, gastou-se no Brasil R$ 88 milhões com a compra de metilfenidato – fármaco utilizado no tratamento das pessoas diagnosticadas com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Por conta das variáveis envolvidas na questão, previsível imaginar o quanto ela é polêmica.

A discussão já começa na origem. Trata-se de uma doença ou de um problema de comportamento? Outra questão: a medicação é um alento para quem sofre com o incômodo físico e intelectual ou é uma iniciativa para submeter ao controle quem não age conforme os padrões estabelecidos por uma sociedade que cobra alta competitividade desde que seu resultado seja obtido de forma uniformizada? E ainda: o TDAH é produto de práticas escolares ineficientes? As perguntas são muitas e os argumentos oscilam conforme a posição de cada entrevistado.

Em meio às controvérsias, a única constatação precisa é que rotulações não faltam na vida daquele que vivencia o problema. Ou é doente ou é desatento ou, quem sabe, burro, vagabundo, preguiçoso. A questão continua ou cai num problema social. Difícil, talvez impossível, não introjetar as classificações - cápsulas malignas para a autoestima.

Dentre todas as pechas, a presidente da Associação Brasileira de Dislexia (ABD), Rosemari Marquetti de Mello, ‘prefere’ a primeira. “Quando se sabe o que se tem, se consegue recursos para se livrar. Se é taxado de incapaz, quem vai tirar esse rótulo?”, questiona.

Não existe tratamento medicamentoso para dislexia, problema que ela identificou apenas depois de adulta, quando o filho apresentou problemas na escola. A partir de então, recuperou o amor próprio, voltou para a sala de aula e depois recebeu o diagnóstico de TDAH.

“Para a grande maioria, esse diagnóstico é o início de uma ‘carreira’ repleta de rótulos, estereótipos, preconceitos, que tanto produzem expectativas negativas nas pessoas que estão no entorno desses indivíduos quanto também produzem impacto muito negativo na maneira como eles próprios compreendem suas possibilidades de aprendizagem”, afirma Marisa Meira, doutora em psicologia escolar e professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Num ponto ambas concordam: não é possível fazer generalizações sobre o assunto.

Doença ou não?

A polêmica em torno do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) começa na base. Trata-se ou não de uma doença? O neurologista Abram Topczweski adverte que para a Organização Mundial de Saúde (OMS) qualquer desconforto físico ou psíquico pode ser considerado uma patologia, embora existam graus diferentes em cada uma delas.

No entanto, na opinião da professora titular de pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Aparecida Affonso Moysés, são contestáveis os embasamentos científicos que apontam o TDAH como moléstia.

“Não é uma doença comprovada. Essas crianças e os pais delas tornam-se reféns desses diagnósticos”, afirma. Topczweski refuta a informação. Diz que se estuda o assunto dentro e fora do país há muito tempo. Inclusive, de acordo com ele, a hiperatividade tem conotação biológica.

Tanto é que o TDHA pode ser constatado em exames de imagens, como cintilografia cerebral, onde são encontradas áreas de perfusão sanguínea diferentes às de uma pessoa que não é portadora do transtorno. “Depois que se usa os medicamentos estimulantes, essas áreas voltam a um comportamento normal”, explica.

No caso da dislexia, o neurologista informa que o Projeto Genoma determinou, inclusive, os cromossomos responsáveis por ela, além de também ser possível verificá-la por exames de imagem. Já para a pediatra Maria Aparecida, TDAH e dislexia são questionadas também no campo na neurologia e psiquiatria. Ela aponta, por exemplo, ausência de critérios diagnósticos precisos e explícitos, que definam com clareza as características das alterações.

“As pesquisas divulgadas como comprovadoras, de modo geral, não preenchem os requisitos mínimos de rigor científico da pesquisa epidemiológica em que se enquadrariam. Apresentam falhas gritantes em tamanho e composição da mostra”, comenta. De acordo com ela, comportamentos não são biologicamente determinados, mas resultantes de construções históricas, sociais e culturais.
Para médico, causa está em disfunção bioquímica

Para o neurologista Abram Topczweski, o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma disfunção bioquímica cerebral, sendo que a medicação é um modulador dessa função e, dependendo do caso, deve ser consumida independentemente do tratamento psicológico ou psicopedagógico – que também ajudam.

“O grande problema é que não se avalia o indivíduo de maneira holística. Qual o prejuízo que ele tem sob o aspecto social, familiar, escolar e sob o aspecto de lazer? Se não tiver prejuízo, obviamente não precisa de tratamento”, afirma. Na opinião dele, ao ministrar o metilfenidato, é possível melhorar o desempenho geral desse paciente em todos os sentidos.

Segundo Topczweski, o número de diagnósticos de hiperatividade e dislexia tem aumentado porque pais e profissionais que lidam com as crianças estão mais atentos e encaminham para avaliação um volume maior de indivíduos com a suspeita do problema. O neurologista comenta que nos Estados Unidos, inclusive, uma anfetamina é utilizada no tratamento do TDAH como alternativa.

Ele discorda de quem acredita que o metilfenidato, sintetizado em 1950, abra as portas ao consumo de drogas, como cocaína, pois o medicamento é utilizado por quem faz tratamento para deixar a dependência química.

“Eu trabalho com isso há cerca de 30 anos”, comenta. “Não é de hoje. Agora que a indústria criou a doença? Indivíduos foram tratados por conta de alterações comportamentais em 1930, mas naquela época se utilizava outro tipo de medicamento, que também era estimulante”, informa ao rebater a ideia de que o TDAH tenha sido criado pela indústria farmacêutica.


Mãe para de trabalhar para cuidar do filho

Uma universitária de pedagogia de Bauru, moradora do Parque Nova Esperança, abriu mão do mercado de trabalho para cuidar de seu primogênito, diagnosticado com déficit de atenção aos quatro anos.

Após ser comunicada de que seu filho se isolava dos outros colegas na escola, buscou tratamento e soube que a criança sofria também de depressão infantil. A mãe, então, foi informada que o problema (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH) geralmente vem acompanhado de outros.

“No déficit de atenção se tem 75% das crianças disléxicas. A hiperatividade envolve 30% das crianças disléxicas. O TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), cerca de 20% das crianças disléxicas. De 15% a 20% das crianças com dislexia têm enxaqueca”, comenta o neurologista Abram Topczweski.

Foi então que a mãe começou uma peregrinação para cuidar da criança, atualmente com 9 anos. Hoje, o garoto frequenta psiquiatra, neurologista, psicóloga e fonoaudióloga.

A luta da mãe era a de evitar que o prejuízo à autoestima da criança fosse ainda maior com o passar do tempo. Em algumas fases, a criança não controlava suas necessidades fisiológicas, cenário perfeito para casos de bulling na escola.

“Sem medicação, meu filho ameaçou se jogar na frente de carros”, comenta a mãe. Por conta da situação, ela tem ressalvas contra quem critica o metilfenidato também sob o argumento de que a incidência de suicídios é grande – mesma justificativa utilizada pelos governos municipal e estadual para negar-lhe o remédio.

“As mães pouco informadas são desestimuladas a tratar, passam por crise, não sabem o que fazer”, comenta ela, que é estudante de pedagogia e já discutiu a questão com a professora do curso, além de ter passado a participar das conferências de saúde mental.

A mãe pondera, ainda, que a criança sem auxílio do metilfenidato ainda fica mais sujeita a diversos acidentes também por conta da desatenção. Para piorar, ressalta que mesmo os professores, quando comunicam os pais sobre o problema, não sabem orientá-los sobre onde procurar ajuda.

Numa fila de mercado, foi informada do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Infantil, onde frequenta semanalmente. Hoje, garante que seu filho está alfabetizado e bem melhor. Fruto de uma relação estável, feliz, de uma família bem estruturada, o garoto tem um irmão caçula. Os nomes foram preservados.


FONTE DE PESQUISA:
http://www.jcnet.com.br/detalhe_geral.php?codigo=189019

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